O que leva alguém à fila da leitura de vida?

Baseado em fatos reais

São 05:45. Em um canto da Liberdade, em São Paulo, há uma fila animada de mulheres, conversando e rindo sem se importar com o horário. Estão aguardando o famoso Japonês da Liberdade: um senhor de mais de 90 anos que faz leitura de vida.

Bárbara é a mais jovem da fila. Achou que seria a primeira a chegar (o Japonês só abre às 09h), mas foi surpreendida ao descobrir que já era a décima da fila. Apesar da falta de sentido disto, sente um certo desprezo pelas suas companheiras interessadas pela leitura da vida. Está lá pelo mesmo motivo, mas as acha mais velhas, mais desesperadas, mais perdidas. Falam sobre o Japonês como se ele fosse mudar suas vidas. Contam das suas visitas anteriores à cartomantes e tarólogas e ciganas e Bárbara percebe que são pessoas que dependem disso, que precisam que outros lhes deem um significado para suas vidas. Acha isso patético.

Às 07h30, a fila já está completa; o Japonês só atende 13 pessoas por dia (Bárbara se pergunta, encarando os sapatos enquanto ouve as outras tagarelando, se 13 não é o número de azar no Japão). Isso não impede que outros se juntem à fila, esperando que talvez o leitor de vida faça uma exceção, fique com pena, e Bárbara e as outras mulheres se sentem fortes e arrogantes ao serem as que chegaram a tempo. Como se fossem mais importantes, mais dedicadas que as outras.

Na fila, há pessoas de outras cidades; pessoas que moram há uma, duas horas da Liberdade; mulheres com filhos doentes que não confiam em seus maridos para cuidá-los. Bárbara não é nenhuma delas. Demorou 30 minutos de metrô e mais cinco a pé até à fila. Sente-se ainda melhor que as outras. Não está se privando de nada para estar aqui e vangloria-se no seu pensamento que nem possui motivos para estar aqui. Só é jovem e curiosa. Não é que nem as outras.

Bárbara acaba conhecendo mulheres como a Karen, de 30 e poucos anos, que quer descobrir porque sempre foge do casamento. Uma cartomante havia lhe dito que é porque ela havia sido amaldiçoada pelo seu ex-noivo em uma vida passada. Também há a Glória, de mais de 40 anos, que havia sido levada a acreditar que seu filho havia morrido no parto, mas descobriu, 27 anos depois, que ele havia sido sequestrado pelo pai. Bárbara fica com pena desta última.

Por fim, as 09h chegam e, com ela, a hora de conhecer o Japonês. As outras mulheres falam ainda mais alto, riem mais, parecem nervosas. Estão com medo do que ouvirão. Bárbara também sente um certo nervosismo, apesar de não saber por quê.

Bárbara é atendida depois do meio-dia. Senta em uma sala pequena e fechada na frente do Japonês, um senhorzinho miúdo e levemente simpático. Ele faz a numerologia de Bárbara, usando seu RG, antes de começar a ler as palmas das suas mãos.

Ela ouve de tudo: viverá até os 100 anos; não casará nem terá filhos; terá a vida melhorada depois dos 50. O Japonês recomenda que ela more fora e que mude de emprego (ela estava desempregada, mas ficou com vergonha de dizer alguma coisa. Talvez ele quisesse dizer “arranje um emprego”?). Ela não percebe que está envolvida pelas palavras do homem até ele finalizar sua análise inicial e perguntar se Bárbara possui mais alguma dúvida.

A garota morde os lábios. Possui, mas está com medo de falar. Enrola, balbuciando as palavras e olhando para o gráfico em cima da mesa do Japonês que descreve todas as áreas da vida que podem ser analisadas. Sem olhar nos olhos do homem, decide ser vulnerável pela primeira vez no dia. Talvez em semanas.

— Meu pai faleceu há um ano, um ano e meio — confessa como se isso fosse algum segredo. — Estou em uma situação difícil, tanto pelo luto quanto na questão financeira, pois agora tenho que sustentar minha família. Eu vou sair logo dessa situação?

Bárbara não sabe o que espera de resposta. Talvez que ele lhe diga que tudo ficará bem, que logo sua vida melhorará, que a dor passará e a memória do seu pai logo não será nada além de rabiscos na sua mente, de pontinhos no horizonte. Ou, talvez, que o senhor lhe desse um daqueles olhares simpáticos que as pessoas lhe dão quando você conta algo triste, que seus olhos já pequenos diminuíssem mais e ele lhe desse um sorrisinho. Que acariciasse sua mão e contasse que também perdeu o pai, perdeu a mãe também, e agora ele estava vivo e a vida havia continuado.

O que ela queria era compaixão. Alguém que entendesse. Uma mão quente em cima da sua.

Mas a expressão facial do Japonês não mudou. Seus olhos não dobraram, sua boca continuou séria.

— Isso vai depender de você — ele por fim responde com uma risadinha meio sem graça.

Bárbara lhe dá um sorriso igualmente sem graça, agora sentindo vergonha da sua pergunta. Que idiotice. É claro que aquele homem não ia se importar com seu sofrimento. Ela havia pagado 100 reais e aquele Japonês de merda, quase gagá, não era capaz nem de lhe dar um sorriso de pena.

Claro que só dependia dela. Ela sabia disso. Não precisava de um velho baixinho para lhe dizer tal coisa.

Bárbara por fim sai da salinha, respondendo às perguntas das mulheres que irão depois dela sem muito entusiasmo. Ela estava se achando tanto, estava tão certa da sua superioridade. Mas, naquela sala pequena, olhando aqueles olhos frios do Japonês, percebeu estar tão confusa quanto as outras mulheres. Pelo menos elas eram corajosas o suficiente para falar disso abertamente.