Pensamentos na Academia

Mas esse calor está de matar. Esse ar condicionado está quebrado há quanto tempo? Porra, parece que é um sol para cada cabeça nesse lugar.

Ai, que vergonha. Deixei uma marca de suor na máquina. Espero que a menina ao meu lado não tenha notado.

Não é possível que eu seja a única suadona aqui. Talvez esteja na hora daquele botox mesmo.

Será que aquele treinador está solteiro? Não que eu tenha interesse. Mas ele me olhou naquele dia que fiquei só de top, não olhou? Se bem que tem uma aliança no dedo. Qual é o dedo de casamento mesmo? Mas a aliança é preta. Isso significa alguma coisa? Se eu algum dia usar aliança, nunca será preta, que coisa mais feia.

Não que eu ache que vá usar aliança algum dia. Ninguém olha para mim. Mas eu também não olho para ninguém. Talvez este seja parte do problema.

Se eu quisesse o treinador, será que ele ia me querer, também? Ou é mais fácil já decidir que não tenho interesse, que o acho esquisito, assim não me magoo?

Mas ele é esquisito. Nunca gostei de homem muito veiudo.

Se bem que eu também sou veiuda.

Ontem, a manicure me perguntou se eu já namorei antes e respondi que não. Será que estou passando da idade em que isso é fofo e já começa a ser preocupante?

Se eu quisesse, arranjava alguém rapidinho. Homens são tão fáceis. E eu até que sou bem bonitinha. Mesmo suando tanto. Não sou?

Por que tanta gente mais feia do que eu namora com tanta facilidade? A Luísa já está com a mesma pessoa há anos. A Joana também. Se bem que ambas namoram gente mais feia que elas.

Não, a questão não é a aparência. Há de ser algo mais profundo. Qualquer feio consegue arranjar outro feio. Será que eu não me abro para os outros? É isso? Existe alguma parte de mim que está escondida, enterrada, que talvez nem eu lembre que exista?

Orra, a menina ao meu lado saiu dando tchau para todo mundo, menos para mim.

Talvez eu só seja invisível mesmo.

Aí é até melhor, porque pelo menos então sei que a culpa não é minha. O que posso fazer se nasci sem carisma? Esquisita? Suada?

E eu não preciso de ninguém, de qualquer maneira. Nunca tive muitos amigos na infância, sempre passei o recreio lendo na biblioteca ou conversando com a professora. Acho que se trombasse com algum ex-colega meu agora mesmo, ele nem se lembraria de mim. E tudo bem. Gosto da minha própria companhia. Sou engraçada, inteligente, conheço-me muito bem. O resto do mundo é tão vazio. As pessoas me parecem tão burras. E sair comigo mesma é legal. Sou um encontro ótimo.

Às vezes, no fim do filme, viro para o lado para conversar sobre o que acabei de assistir antes de lembrar que não há ninguém comigo. Ou fico mais tempo que o necessário encarando um quadro no museu, esperando que talvez alguém venha falar comigo, discutir os temas e a arte. Ou só me admirar, pensar “nossa, que garota culta, deve entender muito mais do que eu”.

Mas isso não significa nada. Qualquer um tem momentos de fraqueza. Não é como se eu não me achasse humana. Sei que sou. Este suor excessivo não poderia indicar outra coisa.

E eu gosto da minha companhia. Gosto sim. Não preciso de mais ninguém. Se alguém estivesse ao meu lado, só faria uma piada idiota sobre o filme, ou distorceria por completo meu quadro predileto. Não preciso disso. Eu sei exatamente do que gosto. Sou muito inteligente. Sempre fui.

Opa. Acabei o set. Hora de sair daqui e enfrentar esse sol infernal. Sozinha.